sábado, 5 de julho de 2008

Contribuição para discussão !

Do site do Ministério da Justiça.

O processo de regularização fundiária
O processo de demarcação é o meio administrativo para explicitar os limites do território tradicionalmente ocupado pelos povos indígenas. É dever da União Federal, que busca, com a demarcação das terras indígenas: a) resgatar uma dívida histórica com os primeiros habitantes destas terras; b) propiciar as condições fundamentais para a sobrevivência física e cultural desses povos; e c) preservar a diversidade cultural brasileira, tudo isto em cumprimento ao que é determinado pelo caput do artigo 231 da Constituição Federal.
Sempre que uma comunidade indígena possuir direitos sobre uma determinada área, nos termos do § 1º do Artigo 231 da CF, o poder público terá a atribuição de identificá-la e delimitá-la, de realizar a demarcação física dos seus limites, de registrá-la em cartórios de registro de imóveis e protegê-la. Estes atos estão vinculados ao próprio caput do artigo 231 e, por isso mesmo, a União não pode deixar de promovê-los.
As determinações legais existentes são, por si só, suficientes para garantir o reconhecimento dos direitos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, independentemente da sua demarcação física. Porém, a ação demarcatória é fundamental e urgente enquanto ato governamental de reconhecimento, visando a precisar a real extensão da posse indígena a fim de assegurar a proteção dos limites demarcados e permitir o encaminhamento da questão fundiária nacional.
A importância da demarcação
A regularização das terras indígenas, por meio da demarcação, é de fundamental importância para a sobrevivência física e cultural dos vários povos indígenas que vivem no Brasil, por isso, esta tem sido a sua principal reivindicação. Sabe-se que assegurar o direito à terra para os índios significa não só assegurar sua subsistência, mas também garantir o espaço cultural necessário à atualização de suas tradições.
Outro aspecto a ser mencionado, e que está em evidência nos dias atuais, é o fato de que a defesa dos territórios indígenas garante a preservação de um gigantesco patrimônio biológico e do conhecimento milenar detido pelas populações indígenas a respeito deste patrimônio.
Por exemplo, as sociedades indígenas da Amazônia conhecem mais de 1.300 plantas portadoras de princípios ativos medicinais e pelo menos 90 delas já são utilizadas comercialmente. Cerca de 25% dos medicamentos utilizados nos Estados Unidos possuem substâncias ativas derivadas de plantas nativas das florestas tropicais. Por isso a preservação dos territórios indígenas é tão importante, tanto do ponto de vista de sua riqueza biológica quanto da riqueza cultural.
Distribuídos por diversos pontos do País e vivendo nos mais diferenciados biomas - floresta tropical, cerrado etc. - os povos indígenas detêm um profundo conhecimento sobre seu meio ambiente e, graças às suas formas tradicionais de utilização dos recursos naturais, garantem tanto a manutenção de nascentes de rios como da flora e da fauna, que representam patrimônio inestimável.
A proteção das terras indígenas é, portanto, uma medida estratégica para o País, seja porque se assegura um direito dos índios, seja porque se garantem os meios de sua sobrevivência física e cultural, e ainda porque se garante a proteção da biodiversidade brasileira e do conhecimento que permite o seu uso racional.
A efetivação do direito territorial indígena e a preservação dessas populações em seus locais tradicionais tem sido, e continua sendo, nos tempos atuais, uma garantia da integridade dos limites territoriais brasileiros. É exemplo irrefutável a posição tomada pelos Kampa (ou Ashaninka) da TI Kampa do Rio Amônia - AC, os quais, mesmo se indispondo com os parentes do lado peruano, acionaram, no final do ano 2000, as autoridades brasileiras e deram todo o apoio possível à suspensão da retirada de madeira e abertura de mais uma rota ao trafico internacional de drogas em seu território.
Como é feita a demarcação?
Ainda que o processo de regularização das terras indígenas seja conhecido como demarcação, esta é apenas uma das fases administrativas do processo.
As linhas-mestras do processo administrativo de demarcação das terras indígenas estão definidas na Lei nº 6.001, de 19/12/1973, que é conhecida como Estatuto do Índio, e no Decreto nº 1.775, de 08/01/1996. Esta legislação atribui à FUNAI o papel de tomar a iniciativa, orientar e executar a demarcação dessas terras, atividade que é executada pela Diretoria de Assuntos Fundiários (DAF).
O procedimento atual para a identificação e delimitação, demarcação física, homologação e registro de terras indígenas está estabelecido e balizado no Decreto nº 1.775, de 8/01/1996, que "dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas", definindo claramente o papel do órgão federal indigenista, as diferentes fases e sub-fases do processo, bem como assegurando transparência ao procedimento, por meio de sua publicidade.
Registra-se que o procedimento administrativo para a reserva de terras destinadas à proteção de grupos indígenas, prevista no art. 26 da Lei nº 6.001/73, conta com rito diferente do aplicado às terras tradicionalmente ocupadas pelos índios estabelecido pelo Decreto nº 1.775/96.
Aquém e além desse processo, a Fundação Nacional do Índio - FUNAI, conta com duas outras atribuições, ditadas pelo Decreto nº 1.775/96, quanto à proteção das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas: a) o poder de disciplinar o ingresso e trânsito de terceiros em áreas nas quais se constate a presença de índios isolados, ou que estejam sob grave ameaça; e b) a extrusão dos possíveis não-índios ocupantes das terras administrativamente reconhecidas como indígenas.
Os critérios para se identificar e delimitar uma terra indígena, o que é realizado por um grupo de técnicos especializados, estão definidos no Decreto nº 1775/96 e na Portaria nº 14/MJ, de 9/01/1996, a qual estabelece "regras sobre a elaboração do relatório circunstanciado de identificação e delimitação de Terras Indígenas".
O início do processo demarcatório se dá por meio da identificação e delimitação, quando é constituído um grupo técnico de trabalho, composto por técnicos da FUNAI, do INCRA e/ou da secretaria estadual de terras da localização do imóvel. A comunidade indígena é envolvida diretamente em todas as sub-fases da identificação e delimitação da terra indígena a ser administrativamente reconhecida. O grupo de técnicos faz os estudos e levantamentos em campo, centros de documentação, órgãos fundiários municipais, estaduais e federais, e em cartórios de registro de imóveis, para a elaboração do relatório circunstanciado de identificação e delimitação da área estudada, resultado que servirá de base a todos os passos subseqüentes. O resumo do relatório é publicado no Diário Oficial da União, diário oficial do estado federado de localização da área, sendo cópia da publicação afixada na sede municipal da comarca de situação da terra estudada.
Os estudos antropológicos e os complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário, realizados nesta fase, deverão caracterizar e fundamentar a terra como tradicionalmente ocupada pelos índios, conforme os preceitos constitucionais, e apresentar elementos visando à concretização das fases subseqüentes à regularização total da terra. É com base nestes estudos, que são aprovados pelo Presidente da FUNAI, que a área será declarada de ocupação tradicional do grupo indígena a que se refere, por ato do Ministro da Justiça - portaria declaratória publicada no Diário Oficial da União - reconhecendo-se, assim, formal e objetivamente, o direito originário indígena sobre uma determinada extensão do território brasileiro.
Desde o início do processo demarcatório até 90 dias da publicação do resumo do relatório nos Diários Oficiais da União e do Estado, podem os interessados apresentar contestações, as quais também serão analisadas pelo pessoal técnico da FUNAI, podendo o seu presidente optar pelo reestudo da área proposta ou pela sua confirmação, dando-se então continuidade ao procedimento.
Os estudos e pareceres referentes às contestações, ao serem aprovados pela FUNAI, são em seguida encaminhados para o Ministério da Justiça, que faz a análise da proposta apresentada pelo órgão indigenista, referente aos limites da terra indígena, e das razões apresentadas pelos contestantes.
Após a aprovação dos estudos feitos pela FUNAI por parte do Ministério da Justiça, a terra é declarada de ocupação tradicional do grupo indígena especificado, indicando a superfície, o perímetro e os seus limites, sendo inclusive determinada a sua demarcação física.
A demarcação física é a fase em que se materializam, em campo, os limites da terra indígena, conforme determinado na portaria declaratória expedida pelo Ministério da Justiça. Nesta fase, faz-se uma estimativa dos custos necessários à demarcação das terras declaradas, escolhe-se a modalidade de demarcação, executa-se a demarcação propriamente dita e também a fiscalização e recebimento dos serviços executados, conforme a seguir especificado:
I - As terras indígenas são limitadas por: 1) Acidentes naturais (rios, córregos, igarapés, lagos, orlas marítimas); 2) Estradas e 3) Linhas secas, assim denominadas onde o limite não é definido por acidentes geográficos ou estradas.
I.1 - Ao longo dos acidentes naturais não é executado trabalho de topografia, pois os limites já são claros e bem definidos em campo, sendo que, para a elaboração dos mapas, lançamos mão dos dados existentes nas cartas topográficas, com as devidas verificações em campo através de GPS de navegação.
I.2 - Ao longo de estradas, a demarcação é feita por meio de levantamento topográfico e geodésico e implantação de marcos e placas indicativas, sendo que geralmente não é necessária a abertura de picadas, pois estes limites também já estão materializados em campo.
I.3 - Ao longo das linhas secas, a demarcação é feita por meio de levantamento topográfico e geodésico e implantação de marcos e placas indicativas, sendo necessária a abertura de picadas com três metros de largura.
II - As placas indicativas são implantadas acompanhando os marcos e nos locais onde ocorrem vias de acesso à terra indígena.
III - Os marcos, confeccionados em concreto, são implantados ao longo das linhas secas num intervalo de, no máximo, 01 km e trazem, na sua parte superior, um pino de bronze com a inscrição Ministério da Justiça, FUNAI, número e tipo do marco, ano da demarcação e a observação "Protegido por Lei".
IV - O resultado final da demarcação é apresentado em mapa e memorial descritivo, elaborados dentro das normas da cartografia internacional, apresentando limites que contam com coordenadas geográficas precisas.
V - Todos os trabalhos de demarcação são realizados de acordo com o Manual de Normas Técnicas para Demarcação de Terras Indígenas, da FUNAI.
VI - A Diretoria de Assuntos Fundiários (DAF) da FUNAI, por meio do seu Departamento de Demarcação (DED), é responsável pela normatização, execução e fiscalização dos trabalhos de demarcação de terras indígenas no Brasil.
De posse do material técnico da demarcação, realiza-se a preparação da documentação para confirmação dos limites demarcados, que corresponde à homologação, o que se dá por meio da expedição de um decreto do Presidente da República.
O processo administrativo de regularização de uma terra indígena termina com o seu registro no Cartório Imobiliário da Comarca onde o imóvel está situado e na Secretaria de Patrimônio da União (SPU) do Ministério da Fazenda.
Quando é constatada a presença de ocupantes não-índios na terra indígena, são realizadas, na fase de identificação e delimitação, levantamentos fundiários, socioeco-nômicos, documentais e cartoriais, bem como a avaliação das benfeitorias edificadas em tais ocupações.
Os estudos e levantamentos procedidos sobre as ocupações não-indígenas são analisados e julgada a boa fé quanto à implantação das mesmas, por meio da Comissão Permanente de Sindicância, instituída pelo Presidente da FUNAI, que divulga a decisão através de Resolução publicada no Diário Oficial da União. O pagamento das benfeitorias derivadas das ocupações de boa fé se dá com base em programação orçamentária disponibilizada para esta finalidade pela União.
Segundo o disposto no art. 4º do Decreto nº 1.775/96, os ocupantes não-indígenas retirados da terras indígenas têm prioridade no reassentamento fundiário feito pelo INCRA, observada a legislação pertinente.
O procedimento para a identificação e demarcação de terras indígenas tem procedimentos transparentes, todas as suas etapas são públicas. Publica-se no DOU a portaria de constituição do grupo técnico encarregado dos estudos de identificação e delimitação; o resumo do relatório caracterizando a terra indígena a ser demarcada é publicado no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localizar a área sob demarcação, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área, além do que a publicação é afixada na sede da Prefeitura Municipal em que se situa o imóvel, conforme determina o parágrafo 7º do artigo 2º do Decreto nº 1.775/96; a portaria declaratória do MJ e o decreto homologatório do Presidente da República são publicados no DOU.
Somado a isso, o citado Decreto nº 1.775/96, no parágrafo 8º do artigo 2º, assegura aos estados e municípios em que se localize a área em demarcação, e aos demais interessados, manifestar-se, seja para pleitear indenizações ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório, pelo período que vai do início da demarcação até noventa dias após a mencionada publicação, o que, por assegurar transparência ao processo e permitir o contestatório, levou o atual governo a revogar o Decreto nº 22, de 04/02/1991, substituindo-o pelo Decreto nº 1.775/96.
Não basta só demarcar
A demarcação administrativa é apenas a primeira medida visando à proteção das terras indígenas. Concluído este processo, são necessárias outras ações, visando tanto a prevenir como a sanar as situações de exploração econômica indevida e a reintegração de posse de territórios pelos índios. Além disso, existem as questões que envolvem a proteção dos bens culturais e que se referem à valorização da identidade étnica, sem o que não é possível assegurar a cidadania para os índios.
É preciso, depois de demarcadas e garantidas as terras, assegurar, para cada povo ou comunidade que habite uma terra indígena, um processo próprio de desenvolvimento, adequado à realidade e ao anseio deste povo ou comunidade. Quanto ao dever do Estado, ele tem a função de facilitar, fomentar e possibilitar que esta escolha torne-se uma realidade, constituindo este o grande desafio que a FUNAI hoje tem pela frente.
Nesse sentido, uma das necessidades referentes à reestruturação do órgão indigenista é justamente essa, ou seja, viabilizar a substituição do velho modelo de indigenismo, caracterizado pelo paternalismo e clientelismo, e no qual os índios são tratados como uma realidade genérica (índio genérico) e em vias de desaparecimento, por um novo indigenismo, em que as diferentes realidades sejam contempladas por diferentes formas de planejamento e experiências indigenistas.
Assim, as ações do órgão indigenista voltadas para assegurar os direitos dos índios estão sendo repensadas, no sentido de que sua concepção, planejamento e execução tenham em vista sociedades diferenciadas da nacional, bem como diferentes entre si, pois na questão da especificidade dos programas e projetos destinados a estes povos e comunidades é vital a concretização de políticas regionalizadas.
Outro desafio é assegurar a participação das populações indígenas, sem o que não é possível garantir a manutenção dos territórios já regularizados, pois só por meio de um processo de conscientização a respeito de seus direitos e por intermédio de medidas de caráter preventivo é que serão criados os meios para que possam ser evitadas novas invasões e explorações indevidas de suas terras.
Algumas idéias errôneas sobre a demarcação
Por muito tempo se quis impedir ou protelar a demarcação das terras indígenas, com a desculpa de que se estaria pondo em risco a segurança nacional, tese que acabou sendo desmentida com o tempo, pois, ao contrário, o avanço nas medidas de regularização destas terras serviu para assegurar o direito dos índios, para pôr fim a conflitos pela posse da terra, os quais muitas vezes se estendiam por décadas, e para garantir a integridade territorial brasileira. É preciso lembrar que as terras indígenas são patrimônio da União, diversamente da grande quantidade de terras de particulares que estão sendo transferidas para estrangeiros, a exemplo das madeireiras asiáticas.
Mais recentemente, alguns segmentos da população brasileira contrários aos direitos indígenas passaram a afirmar que os índios teriam "terras demais". Este argumento serve para confundir a opinião pública e reforçar o conflito com a enorme legião de trabalhadores rurais sem terras existente no Brasil.
Acresce-se que as terras devolutas e ocupadas nos padrões dos não-índios são mais do que suficientes para a produção de alimentos requeridos pelo País.
A idéia que se procura propagar com esse tipo de argumentação é a de que, com a regularização das terras indígenas, estaria-se reduzindo a quantidade de terras disponíveis para a agricultura e outras atividades econômicas, resultando em escassez de terras para os trabalhadores rurais não-indígenas. Por trás deste argumento agrega-se a crença de que as terras indígenas são improdutivas, o que já está há muito desmentido. Registra-se como exemplo que, sendo paralisada a produção indígena, no mercado local da Amazônia Legal haverá, indubitavelmente, fome, mesmo que haja disponibilidade de abastecimento vindo de fora da área. Os custos estariam fora da capacidade financeira da população e as vias de acesso são um empecilho ao pronto abastecimento.
Além disso, estatísticas elaboradas pelo Incra mostraram claramente que, somando-se as terras aproveitáveis e não-exploradas existentes em todos os estados do Brasil, atingiu-se um total de 185 milhões de hectares, o que corresponde, aproximadamente, ao dobro de todas as terras indígenas.
Logo, é a extrema concentração da propriedade fundiária em mãos de poucos membros da sociedade brasileira e sua má ou falta de utilização que levam a larga margem da população rural a não dispor de terras para trabalhar, e não a grande extensão dos territórios indígenas.
Além disso, o montante dos imóveis rurais cadastrados pelo Incra corresponde a menos de 70% do território nacional, havendo, ainda, 255 milhões de hectares de terras não-discriminados ou cadastrados pelo órgão fundiário. Isto significa que, mesmo ressalvando-se as áreas urbanas e aquelas destinadas à proteção ambiental, ao uso das forças armadas etc., resta muita terra para a expansão das atividades econômicas, sem que seja necessário proceder à invasão do habitat das populações indígenas.
Assim, o reconhecimento dos limites das terras dos índios não inviabiliza o desenvolvimento do meio rural. Sobre isto existem dados, segundo os quais "as terras indígenas não obstaculizam a expansão das atividades agrícolas ou pecuárias, uma vez que as terras indígenas constituem parte menor do estoque de terras que poderia ser destinado a programas governamentais de colonização e/ou reforma agrária" (OLIVEIRA, João Pacheco: Terras Indígenas no Brasil, CEDI/Museu Nacional, 1987).

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